O número mundial de usuários ativos nas redes sociais ultrapassou o total de 5 bilhões em 2023, o equivalente a 62,3% da população do planeta, segundo relatório publicado em janeiro deste ano pela Kepios, empresa especializada no estudo de usos digitais. No Brasil, são 144 milhões de usuários que representam 66,3% do total de habitantes. Na internet, o brasileiro passa em média 3 horas e 37 minutos, por dia, somente nas redes sociais.

Toda essa interatividade que cresce a cada dia é um território fértil para comercialização de produtos e serviços. Assim, além de transformar intensamente a maneira como nos comunicamos e interagimos, o advento das redes sociais influenciou significativamente o nosso hábito de consumo. Com isso, surgiram também novos desafios e dilemas, principalmente, no que se refere aos direitos do consumidor, num ambiente onde a propaganda enganosa pode ter impacto significativo nas decisões de compra dos usuários das redes sociais, e ainda resultar em prejuízos tanto financeiro como moral.

Entenda-se por propaganda enganosa aquela que induz o consumidor a erro, apresentando informações falsas, confusas ou enganosas sobre um produto ou serviço.

Eu já falei sobre golpes na intemet e como evitá-los em artigo anterior. Mas, golpes que não envolvem necessariamente a venda de produtos, tais como, do PIX, confirmação de dados, crédito/empréstimo, boleto falso, entre outros. “Agora, quero falar sobre o comércio nas redes sociais, camuflado em propagandas enganosa, inclusive, sobre os direitos do consumidor, vítima desse tipo de prática.

Tecnologicamente, existem falhas de moderação de plataformas como o Facebook e o Instagram, da Meta, e o YouTube, do Google, que facilitam que fraudes e propagandas golpistas façam cada vez mais vítimas. Mas essa responsabilidade envolve também determinados anunciantes que agem de má fé ao oferecerem “gato por lebre”.

Para esclarecer melhor essa questão, lembro o caso de uma propaganda enganosa da rede de fast food McDonald's ao lançar a linha de hambúrgueres chamada de McPicanha. Ocorreu que na composição do lanche não constava a came descrita e, sim, apenas um molho com aroma de picanha. Depois de notificada e para cumprir as normas do Procon, o McDonald's tirou o McPicanha do cardápio, para só então voltar a comercializá-lo com outro nome, motivado pelo sucesso que o lanche havia feito entre os consumidores.

Certo é que as denúncias contra a publicidade enganosa veiculada na internet vêm crescendo e, no ano passado, representaram mais de 80% dos processos instaurados pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), segundo a entidade.

Mesmo que anúncios golpistas não sejam autorizados pelas políticas de comunidade das plataformas, eles ajudam a volumar o faturamento das empresas, que têm na publicidade digital sua principal fonte de receita. “Atualmente, o Marco Civil da Internet (lei 12.965/2014) tem como regra geral que as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por um conteúdo quando descumprirem ordem judicial. No entanto, a publicidade enganosa é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990). Também não há consenso entre especialistas em direito digital sobre qual é a interpretação da lei a ser aplicada quanto a responsabilidade das plataformas por anúncios fraudulentos. O debate envolve o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor.

Como disse antes, o Marco Civil (artigo 19) determina que as plataformas só podem ser responsabilizada por danos gerados por conteúdos de terceiros se descumprirem ordem judicial para remové-los. Há poucas exceções à essa regra, por exemplo, o caso da pornografia de vingança - divulgação de conteúdo íntimo sem consentimento. Nesse caso, uma notificação da vítima exigindo a remoção é suficiente para obrigar a empresa agir.

Como o Marco Civil é uma norma específica para a internet, especialistas entendem que o artigo 19 protege as plataformas digitais de responderem por anúncios fraudulentos ou enganosos. Assim, muitos entendem que poderia ser então aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) contra o anunciante, considerando que entre anunciante e consumidor há uma relação de consumo.

Essa interpretação sobre a aplicação do CDC faz coro a um entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso de propaganda que circula na mídia tradicional, como jornais e TVs. No julgamento do Recurso Especial (Resp) 604.172/SP, em 2007, a Terceira Turma da corte entendeu que "os veículos de comunicação não respondem por eventual publicidade abusiva ou enganosa”, uma vez que o CDC determina que essa responsabilidade é dos anunciantes.

Mas como fica o consumidor em meio à essa falta de consenso? Até que a legislação seja mais abrangente e precisa contra essas tais propagandas enganosas, entendo que a saída para o consumidor que se sentir lesado é botar a boca no trombone e ir atrás dos seus direitos usando das atuais armas disponíveis.

Então você foi vítima de uma propaganda enganosa em alguma rede social, o que fazer?

Antes, informo o que diz a legislação sobre propaganda enganosa. Conforme o artigo 37 do CDC é proibida a publicidade enganosa que, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), pode ser dividida em dois tipos.

A primeira, enganosidade por comissão, é quando a propaganda traz uma afirmação inteira ou parcialmente falsa sobre determinado produto ou serviço. Um exemplo seria um curso que diz ter corpo docente composto de mestres e doutores, quando, na verdade, só tem professores com pós-graduação. Também golpes e ofertas sensacionalistas, de produtos sem eficácia comprovada, como emagrecedores milagrosos, se enquadram nessa categoria.

E a segunda, enganosa por omissão, é quando o anúncio não fomece todos os dados essenciais sobre um produto ou serviço. Nesse caso, o dado omitido precisa ser tão relevante que, se o consumidor tivesse conhecimento prévio dele, não teria adquirido o produto ou serviço. Por exemplo, se uma agência de viagens vendesse um pacote turístico sem informar exatamente as condições de hospedagem, e o consumidor descobrisse depois da compra que ficará em quarto compartilhado.

Enfim, conforme o Idec, vários tribunais país afora já utilizam o CDC e o Marco Civil da Internet para justificar condenações relativas às vítimas de anúncios fraudulentos. Só que o tema não é consensual e essa não tem sido a interpretação corrente no Judiciário.

Porém, se a jurisprudência atual dificulta a obtenção de indenização das plataformas em caso de anúncios fraudulentos, à situação pode mudar caso o PL das Fake News (PL 2.630/2020) seja aprovado. Em sua última versão, esse Projeto de Lei diz que as plataformas digitais poderão ser responsabilizadas civilmente, "de forma solidária”, em caso de danos causados por conteúdos de terceiros veiculados mediante pagamento.

Para o Idec, ao fazer essa previsão específica, esse PL "acabaria de vez" com a tentativa das empresas de tecnologia de utilizar o artigo 19 do Marco Civil da Internet para "defenderem a isenção de responsabilidade sobre todo e qualquer conteúdo postado, sendo ele patrocinado ou não”.

Afirmar que a responsabilização é "solidária" significa que as big techs seriam tão responsáveis pelo dano causado ao usuário como o próprio anunciante do golpe. Nesse caso, o consumidor lesado poderia processar diretamente a plataforma.

Caso a nova versão do texto adote a responsabilidade subsidiária, antes de pedir reparação do dano para a plataforma, o consumidor lesado terá que processar quem publicou o anúncio e, se der em nada, pode então acionar a plataforma.

Isso significa que a responsabilidade principal por reverter o prejuízo é do anunciante que, se não pagar a indenização, a plataforma assume a responsabilidade. Diante disso, resta aguardar a aprovação dessa “PL das Fake News” que se arrasta no Congresso. Enquanto isso, cabe à vítima de alguma propaganda enganosa nas redes sociais buscar a reparação com as armas que tem.

Como? O caminho é o consumidor enganado reunir todas as provas que conseguir sobre a oferta que trazia a informação falsa ou abusiva, como prints de tela e fotografias da propaganda. O ideal é que a denúncia seja registrada primeiro em órgãos de proteção do consumidor, como é o caso dos Procons estaduais e do portal consumidor.gov.br, do Governo Federal. O próprio site orienta que em caso de o consumidor não conseguir resolver o problema "e ainda se sentir lesado ou prejudicado", ele pode entrar com uma ação no Judiciário.

Neste caso, a ação pode ser apresentada a um Juizado Especial Cível (JEC), antes chamado de "juizado de pequenas causas”, que trata de casos de menor complexidade e, para ações de até 20 salários mínimos. Esse órgão do Judiciário pode ser acionado por qualquer pessoa, sem a necessidade de representação de um advogado.

Concluindo, toda propaganda enganosa representa uma ameaça à confiança do consumidor e à concorrência leal. As leis de proteção ao consumidor têm um papel crucial na prevenção e na punição desse tipo de prática.

Em casos envolvendo as redes socias, é fundamental que as plataformas estejam cientes de suas obrigações legais em relação à publicidade e que os consumidores estejam informados sobre seus direitos. A regulamentação e a aplicação eficazes das leis de combate à propaganda enganosa são essenciais para manter um mercado justo e proteger o interesse do consumidor.

Fonte: Jornal Correio de Uberândia

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