Na última semana vivenciamos uma situação a qual venho alertando, inclusive em alguns artigos publicados nesta coluna, a respeito de nossa dependência e vulnerabilidade tecnológica.

O apagão cibernético ocorrido na sexta-feira (19) mostra o risco que a sociedade como um todo está sujeita quando se envolve um poderio gigantesco de ferramentas tecnológicas - incluindo aí uso de Inteligência Artificial e do nebuloso, porém eficiente algoritmo - nas mãos de poucos conglomerados. E para piorar, a falta de legislações eficientes - como é o caso do Brasil - que regulamentem a utilização das plataformas digitais, não para coibir a liberdade de expressão, mas para evitar abusos e a disseminação de conteúdos falsos, ofensivos e violentos, acaba prejudicando especialmente o elo mais fraco dessa história.

O apagão cibernético afetou sistemas de computadores em todo o mundo, ou seja, causou transtornos nos cinco. continentes com interrupção de serviços em diversos setores como aviação, telecomunicações, rede bancária, transporte, bolsas de valores e até hospitais.

Sinal dos tempos? A falha global teria sido causada por um erro na atualização do sistema da empresa de cibersegurança Crowadstrike, dos Estados Unidos, que utiliza o Windows, da Microsoft. O sistema operacional fabricado pela empresa de Bill Gates é o mais utilizado no mundo, uma vez que a maioria dos computadores vendidos já vem com ele instalado.

A empresa pivô do apagão também é uma gigante da tecnologia. A CrowdStrike é a número um no mundo de antimalware, que é um software de segurança cibernética. Portanto, estamos falando de duas líderes em suas respectivas especificidades.

O que impressiona nesse episódio é que a falha veio da própria empresa responsável pela segurança dos sistemas dos setores que foram afetados. O que nos leva a refletir sobre a necessidade de diversificar o mercado, descentralizar o fornecimento de softwares de segurança e quebrar a hegemonia das big techs. Quanto mais dependente a sociedade estiver e mais restrito for a oferta de tecnologia, maior será o risco que outros apagões aconteçam numa proporção e gravidade ampliadas.

O apagão da última sexta é consequência direta do monopólio exercido hoje pelas big techs. Estamos em uma era em que dependemos totalmente da tecnologia, vivenciamos o que chamo de Tecnofeudalismo, o que demonstra ainda mais a necessidade de estarmos atentos as posturas das big techs e seu respectivo poder para influenciar nossas vidas.

Nossa dependência tecnológica é algo muito maior do que as pessoas imaginam, por isso é necessário termos consciência e conhecimento a este respeito. O termo Tecnofeudalismo foi idealizado e esmiuçado pelo professor e economista francês Cédric Duran, que tratou de maneira inédita sobre o tema numa obra que se tomou referência para estudiosos e profissionais de tecnologia. O Tecnofeudalismo se caracteriza pela exploração de dados dos usuários das plataformas digitais e o alto grau de dependência de tecnologias digitais.

O economista francês defende a tese de que o capitalismo regrediu e hoje se utiliza das ferramentas modernas para instalar um sistema medieval como se fosse uma nova economia, conforme escrevi numa coluna sobre o assunto há nove meses. Cédric aponta que está em jogo dentro da economia digital uma reconfiguração das relações sociais que se manifesta por meio do ressurgimento da figura da dependência, que era uma questão central no mundo feudal.

Quanto mais indispensáveis forem os serviços oferecidos por uma plataforma digital, maior será a dependência das pessoas a esse sistema. Vide o apagão cibemético da última sexta. Mais de 29 mil empresas em todo o mundo utilizam o sistema da norte-americana CrowdsStrike. Com isso, todos os serviços que dependiam desse software foram afetados, o que desencadeou uma reação em cadeia em escala global.

Ano passado, plataformas da Meta ficaram fora do ar por algumas horas. Houve menos transtornos do que o apagão da semana passada, mas o alvoroço que provocou o fato de não poder acessar redes sociais como Instagram e WhatsApp, gerou até mais repercussão entre as pessoas. Já escrevi aqui neste espaço o que seria ter que passar um dia sem tecnologia. Ninguém gostaria de ter que passar por isso, mas o que garante que episódios semelhantes e até com mais agravantes não venham a acontecer num futuro próximo?

A velocidade com que as tecnologias são desenvolvidas, e a consequente dependência que elas geram em nossas vidas, não é acompanhada na mesma proporção pelas autoridades e lideranças mundiais. E olha que para se criar e aprimorar uma nova tecnologia levam-se anos.

A postura dos governos, sobretudo no Brasil, nesta briga com as big techs, tem se demonstrado efetivamente reativa quando na verdade deveria ser proativa. Não dá para ficar esperando ser provocado para tomar medidas que assegurem o mínimo de regulação sobre as plataformas digitais e os conteúdos produzidos e divulgados nelas.

À Justiça Eleitoral brasileira foi pioneira no âmbito dos três poderes ao aprovar resolução que trata do uso de Inteligência Artificial nas campanhas eleitorais deste ano. É o primeiro passo para mostrar aos conglomerados tecnológicos que há um limite a ser respeitado no país. Pelo menos no que diz respeito ao processo eleitoral. Agora, resta ampliar o debate para os demais setores em geral e abrir caminho para que o uso da tecnologia não aumente a dependência e controle por parte das big techs, e sim incentive a inovação e diversificação de ferramentas tecnológicas.

Fonte: Jornal de Uberaba

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