Cada vez mais, a indústria dos eSports no Brasil se firma como um segmento de entretenimento e de competição esportiva com renome mundial. Conforme estimativas da consultoria PwC em 2017, trazidos no II Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, a receita poderia atingir US$ 1,4 bilhão até 2021.
Nos últimos anos, foi possível observar o investimento de empresas como a operadora de telecomunicações Vivo junto ao clube Keyd (denominando-se, a partir daí, Vivo Keyd), de clubes de futebol, como a Flamengo Esports, e de ex-atletas como Ronaldo Fenômeno, que anunciou recentemente o lançamento de uma holding denominada Oddz, que, dentre outros mercados tecnológicos, investirá em eSports
A audiência dos eSports é tão interessante que as competições são televisionadas em canais esportivos e eram realizadas – antes da pandemia – em grandes auditórios e, internacionalmente, em grandes estádios, como, por exemplo, na Coréia do Sul.
Ocorre que o Direito, como é notório, não acompanha as evoluções sociais no mesmo ritmo em que se espraiam. Os eSports ainda carecem de uma legislação específica, tendo de se valer, para algumas hipóteses, da Lei Pelé.
Isso, inevitavelmente, cria um cenário de insegurança jurídica, ante uma falta de regulamentação para situações próprias dos eSports e que vem a prejudicar o segmento e reduzir o potencial econômico.
Não há uma previsão legal quanto aos atletas profissionais, à responsabilização de streamers ou ainda aos direitos de jogadores amadores, respaldados somente até então pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como às crianças que interagem com os jogos eletrônicos.
Há toda uma hipossuficiência que veio, então, a reclamar a prestação jurisdicional. Cita-se, a propósito, a existência de processos judiciais envolvendo banimentos alegadamente injustificados no jogo Free Fire em face da Garena, desenvolvedora do jogo.
Aliás, em consulta ao Tribunal de Justiça de São Paulo, a empresa no Brasil já carrega 60 processos em que é ré, envolvendo pedidos de indenização e reativação de contas de jogadores, por exemplo. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, são 13 processos ativos – curiosamente, com autores representados pelo mesmo escritório de advocacia.
Estas ações foram ajuizadas em 2020 e 2021, de modo que, diante da tradição de duração do processo judicial brasileiro, ainda podem estar pendentes de julgamento, em sua maioria.
Um caso que pode ser mencionado é uma sentença da Comarca de Pereira Barreto/SP, no processo nº 1004650-06.2020.8.26.0024, no qual o juízo extinguiu o feito em relação à Google Brasil Internet, por entender ser esta ilegítima, e julgou improcedentes os pedidos do autor, eis que este não teria produzido prova que afastasse a alegação da Garena no sentido de que o autor se utilizou de uma trapaça (“hack”) para obter vantagens indevidas no referido jogo.
Faz-se menção também ao processo nº 5001931-68.2020.8.21.0073, que tramita na Comarca de Tramandaí/RS, no qual o laudo pericial apontou que o autor teria instalado um app denominado “Game Booster 4X Faster Free”, que, segundo o perito, “apenas melhora o desempenho do celular onde estiver instalado, não causando interferências no ambiente de jogo”. Esta instalação, segundo o autor, poderia ter causado um falso positivo na constatação de trapaça pela Garena, ocasionado, pois, seu banimento.
Sobre a judicialização dos eSports, cabe mencionar também as recentes ações civis públicas propostas pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em face da Garena e de outras empresas de jogos eletrônicos em razão do oferecimento da chamada loot box ou caixa surpresa.
Esses produtos, no entender da ANCED, funcionariam como uma prática de jogos de azar, na medida em que o consumidor não teria conhecimento prévio sobre qual será exatamente o prêmio adquirido.
A título de informação, no exterior, a plataforma de streaming Twitch envolveu-se em processos relacionados à divulgação de pornografia bem como incentivo à violência por seus streamers, tanto visando punir os streamers infratores quanto sendo processado, em razão de tais circunstâncias, e também quanto a supostas violações de direitos autorais como transmissões indevidas da liga de futebol inglesa.
Voltando ao cenário brasileiro, tramita junto ao Senado, o PLS nº 383/2017, com um texto inicial ainda muito tímido para ser considerado como produtivo para o setor. Estabelece, por exemplo, objetivos que já são implicitamente reconhecidos pela legislação desportiva existente e também no Estatuto da Criança e do Adolescente, sem aprofundar em discussões específicas como limite de jornada aos atletas profissionais, responsabilização das plataformas e/ou dos streamers e também de usuários (pretensamente, favorecidos pelo anonimato das redes), em casos de injúria racial e homofobia, ou direitos dos consumidores como na questão das loot boxes ou de banimentos injustificados.
Certo é que os desafios oriundos dos eSports não podem ser minimizados, ainda mais diante do crescente número de usuários no Brasil, dos eventuais danos psicológicos que o uso excessivo dos jogos eletrônicos pode causar, dos altos valores econômicos envolvidos no setor, dos recorrentes casos de injúrias assim como de violações de direitos autorais, da proteção às crianças e adolescentes e, por fim, da possibilidade de reconhecimento dos eSports como esporte olímpico para as Olímpiadas de Paris em 2024.
Fonte: JOTA
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